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A interferência política que ainda pode tirar o Brasil da Copa


Introdução

Às vésperas da disputa da Copa América, recentemente alocada para ser disputada em território brasileiro, jogadores da Seleção, com respaldo da comissão técnica, planejaram um movimento de boicote ao evento continental. Motivados pela solidariedade às vítimas da Covid-19, os atletas estariam contra a mudança às pressas do local da competição e consequente realização da Copa América no país com uma das taxas mais altas de mortes por conta da pandemia.

Em paralelo, Rogério Caboclo teria informado o Governo Federal que estaria disposto a substituir o atual técnico da Seleção Brasileira, Adenor Leonardo 'Tite' Bachi, por Renato Gaúcho, que, inclusive, é declarado apoiador do Presidente Jair Bolsonaro. Levando em consideração o cenário supracitado, tal mudança seria benéfica ao Governo, na medida em que é de seu interesse que o torneio seja realizado. Este estaria capitalizando politicamente, visto que estaria socorrendo a Conmebol, que já investiu mais de US $30 milhões para o evento ser realizado, ao mesmo tempo em que, se realizado com sucesso, o governo demonstraria eficácia por ter conseguido algo que nem a Argentina nem a Colômbia conseguiram. Ademais, acredita-se que o ufanismo de uma vitória brasileira em campeonato realizado no Brasil, traria apoio político. Vale ressaltar, também, que a CBF tem interesse tanto financeiro – recebimento de, no mínimo, US $4 milhões – quanto técnico – oportunidade de treinar antes da Copa do Mundo de 2022, assim como o interesse político, de distribuir a determinadas regiões a possibilidade de sediar os jogos.

Dessa forma, resta claro que há interesses políticos envolvidos nas questões mencionadas anteriormente. Levando isso em consideração, o presente artigo busca compreender quais seriam as consequências disso à luz do Estatuto da FIFA. Para isso, realizar-se-á (II) uma análise da legislação da FIFA, assim como entender sua influência no funcionamento da CBF. Em seguida, apresentar-se-á algumas (III) federações que foram punidas no passado. Em quarto lugar, explicar-se-á (IV) o que está por vir e, finalmente, far-se-á uma (V) conclusão juntamente com questionamentos.


Influência do Estatuto FIFA

Dado que a FIFA – Fédération Internationale de Football Association - é responsável por dirigir e regular o futebol em escala mundial, esta estabelece como princípios norteadores a promoção de integridade e ética no esporte, o estatuto da organização veda a interferência de terceiros na gestão das federações regionais.

Nesse sentido, dispõem os Arts. 14 e 19 do Estatuto da organização internacional acerca da reprovação da prática de interferência externa na administração das confederações. O Art. 14 estabelece as obrigações dos membros da FIFA entre as quais se destacam para fins deste artigo: acatar estritamente as regulações, diretivas, decisões e estatutos da organização, assim como as decisões da corte arbitral de esportes (CAS). O artigo ainda prevê sanções aos órgãos que descumpram a imposição de independência da federação, inclusive em hipóteses em que não houver culpa do órgão na interposição externa.


"Art. 14 Member associations' obligations

1. Member associations have the following obligations:

a. to comply fully with the Statues, regulations, directives and decisions of FIFA bodies at any time as well as the decisions of the Court of Arbitration for Sport (CAS) passed on appeal on the basis of art. 57 par. 1 of the FIFA Statutes;

(...)

i. to manage their affairs independently and ensure that their own affairs are not influenced by any third parties in accordance with art. 19 of these Statutes;

2. Violation of the above-mentioned obligations by any member association may lead to sanctions provided for in these Statutes.

(...)"


O Art. 19, por sua vez, reafirma a importância da independência dos membros associados, além de estabelecer parâmetros para a legitimidade e representatividade das eleições e estatutos das federações.

"Art. 19 Independence of member associations and their bodies

1. Each member association shall manage its affairs independently and without undue influence from third parties.

(...)"

Resta evidente, portanto, que o estatuto da FIFA veda explicitamente condutas de interferência na gestão dos membros. Ademais, prevê algumas sanções para casos específicos que serão objeto de análise mais aprofundada ao longo do artigo.


Federações punidas no passado


Diante da vagueza do termo “sanções” inserido na redação dos artigos supracitados, faz-se necessário compreender as punições aplicadas na prática, assim, os precedentes aqui listados exemplificam os riscos a que estaria sendo submetida a Seleção Brasileira. Dessa forma, analisaremos três casos em específico: o primeiro envolvendo a Federação do Chade, o segundo envolvendo a Federação do Paquistão e, por fim, o caso da Federação do Peru.

No mês de abril do ano de 2021, a FIFA anunciou que suspendeu a Federação do Chade (FTFA), provisoriamente, das competições internacionais. Tal sanção foi adotada pois a federação em questão teria sofrido interferência política. No final de março, a FTFA foi dissolvida pelo Ministro do Esporte, sem justificativas prévias, resultando na eliminação da seleção nacional das eliminatórias da Copa Africana das Nações. Em seguida, as autoridades criaram um comitê nacional que seria encarregado de gerir por tempo delimitado o futebol local, retirando de maneira autônoma os poderes que seriam da FIFA. Sob esse viés, a Federação Internacional determinou essas sanções, explicando que elas seriam suspensas caso as autoridades voltassem atrás com as decisões.

O que ocorreu com a Federação Paquistanesa de Futebol (PFF) foi bastante semelhante com a FTFA. Ela foi suspensa, por interferência de terceiros após o ex-presidente da federação ter assumido a sede da mesma. A FIFA determinou que as sanções somente serão suspensas quando a PFF recuperar o controle e restaurar o comitê de regularização nomeado pela Federação Internacional.

Já no que se refere ao caso peruano, há uma peculiaridade. Não houve à época imposição na prática de sanção propriamente dita, a mera ameaça de suspensão da FPF (Federação Peruana de Futebol) já foi suficiente para que o governo recuasse das medidas que visava implementar. O motivo assemelha-se ao vivido pelo Brasil nos dias de hoje, como o caso ocorreu em 2017, às vésperas da Copa do Mundo, uma eventual suspensão da federação acarretaria na ausência do Peru na maior competição de futebol do mundo. Na hipótese, a congressista Paloma Noceda propôs projeto de lei que, segundo a FIFA, violava seus regulamentos em cinco pontos, dentre eles haveria previsão de excessiva supervisão e intervenção inadequada do Instituto Peruano do Esporte (IPD), dependente do Ministério da Educação.


O que poderia estar por vir

Sob esse viés, questionamos: o que está ocorrendo no Brasil seria passível de gerar alguma sanção?

Como exposto anteriormente, o Brasil passa por um momento de instabilidade política em variados âmbitos. No caso em questão, destaca-se a instabilidade do Governo Federal, promovida por insatisfação popular quanto a forma de gerir o país, e da CBF, pelo afastamento do Presidente Rogério Caboclo em meio a acusações de assédio. Como se não bastasse, a mudança inesperada de local de realização da Copa América, trouxe adversidades tanto da sociedade, quanto dos atletas em conjunto com a comissão técnica da Seleção Brasileira.

Com os benefícios advindos da realização da Copa América, do lado da CBF temos o estreitamento das relações com a Conmebol, recebimento de uma quantia financeira significativa e possibilidade de treinar com antecedência a Copa do Mundo. Do ponto de vista do Governo Federal, destaca-se o aumento da aprovação da gestão do Presidente Jair Bolsonaro por triunfar na realização de um evento que outros países se recusaram a fazer e, caso o Brasil ganhe em território nacional, pelo aumento, ainda que momentâneo, do patriotismo e da satisfação da população brasileira.

Dessa forma, os interesses do Governo Federal passaram a influenciar nas decisões da CBF. A possibilidade do Brasil não jogar a Copa América por conta do boicote dos atletas, apoiados pela comissão técnica, resultou em uma suposta interferência política nas atividades da Federação Brasileira. Caboclo deixou claro para o Governo Federal que trocaria o técnico Tite por Renato Gaúcho até esta terça feira (8), o que se mostra ter motivos exclusivamente enviesados, visto que a Seleção está passando por uma fase excelente, repetindo o feito de 1970 de 100% de aproveitamento nas Classificatórias. Entretanto, com seu afastamento, não conseguiu concretizar tal alteração.

A mudança teria sido apoiada pelo Governo Federal, que já vinha politizando a Copa América, utilizando-a para criticar os governadores que defendem as medidas de proteção contra a contaminação por Covid. A politização acabou por atingir o técnico da seleção, como mencionado anteriormente, que representa, aos olhos de Bolsonaro, ideais contrários ao do Governo.

Isso fica claro nas reações públicas do Vice-Presidente Hamilton Mourão e do filho de Bolsonaro, Flávio Bolsonaro. Ambos fizeram coro às manifestações dos bolsonaristas que elegem Tite como culpado pela rejeição à Copa América. Em declaração, Mourão criticou a postura dos jogadores e deixou claro que se o técnico não está satisfeito “que peça o boné" e acrescentou em tom de ironia que “o Cuiabá está precisando de técnico". Já Flávio Bolsonaro chamou o técnico da seleção de “hipócrita e puxa saco de Lula”.

Diante do exposto, se devidamente comprovada a interferência de Bolsonaro na decisão de Rogério Caboclo de substituir Tite, estaria configurada interferência externa de caráter político vedada pelos Arts. 14 e 19 do Estatuto da FIFA. Em casos semelhantes expostos anteriormente tais ações foram passíveis de punição com suspensão dos direitos da Federação, dentre elas o direito de disputar competições internacionais organizadas pela FIFA como a Copa do Mundo.

Entretanto, levando em consideração a magnitude do que a Seleção Brasileira representa, há de se questionar se a FIFA de fato aplicaria tais sanções. Em 1970, por exemplo, o Presidente Emílio Garrastazu Médici derrubou o técnico José Saldanha, por motivos políticos, mas como não havia regulamentação da FIFA, não houve sanção aplicada. Sendo assim, resta o questionamento se no momento presente, caso haja comprovação de interferência, seria vedado ao Brasil a participação em campeonatos internacionais organizados pela FIFA.

Ademais, o risco de haver a troca de Tite por Renato Gaúcho está sendo mitigado. Não somente os jogadores decidiram participar da Copa América, como o Presidente da CBF Caboclo está afastado, tornando tal decisão mais improvável de acontecer.

Vale ressaltar, também, que nos casos anteriores, as sanções seriam retiradas caso a situação se normalizasse, voltando a ser como era antes. Dessa forma, caso de fato ocorresse alguma penalidade, seria relativamente fácil saná-las antes de novembro de 2022, época em que será realizada a Copa do Mundo.


Conclusão

Diante da resistência dos jogadores e da comissão técnica referente a realização da Copa América no Brasil, o Governo Federal viu sua tentativa de capitalizar politicamente um evento de dimensões continentais enfraquecida. A insatisfação com a suposta insubordinação da Seleção Brasileira fez com que o Governo Federal estabelecesse tentativa de diluir lideranças consideradas negativas para seu projeto. A estratégia escolhida foi a de estabelecer um conchavo político com a CBF, órgão competente para destituir Tite como técnico da Seleção.

Em vias de concluir o plano político, Rogério Caboclo, Presidente da CBF, chegou a prometer ao Governo Federal a substituição de Tite por Renato Gaúcho - técnico alinhado aos ideais do Presidente da República - que, se devidamente comprovada, seria caso evidente de interferência externa sobre a gestão da CBF, ação expressamente vedada pelo estatuto da FIFA, passível de punições.

Na prática, o afastamento de Rogério Caboclo e a aceitação dos jogadores de atuarem na Copa América coloca panos quentes sobre a discussão e afasta, pelo menos por ora, a ameaça da demissão de Tite e da imposição de sanções pela FIFA.

Por fim, resta os questionamentos: se a troca de técnico ocorresse, quais seriam as consequências? Será que daria para comprovar interferência externa? A FIFA aplicaria sanções a uma das maiores Seleções do mundo?


Oliver Serrano Wiegerinck

Arthur Hiei Kose


Referências

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ESPN. Peru aborta lei para evitar punição da Fifa por interferência estatal na FPF. Disponível em: http://www.espn.com.br/noticia/749859_peru-aborta-lei-para-evitar-punicao-da-fifa-por-interferencia-estatal-na-fpf. Acesso em: 07 jun. 2021.


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FIFA. FIFA Statutes: September 2020 Edition. September 2020 Edition. Disponível em: https://resources.fifa.com/image/upload/fifa-statutes-2020.pdf?cloudid=viz2gmyb5x0pd24qrhrx. Acesso em: 07 jun. 2021.



LANCE; ISTOÉ. ‘Hipócrita e puxa-saco de Lula’: Flávio Bolsonaro ataca Tite e Globo e usa fake news ao defender Copa América. Disponível em: https://istoe.com.br/hipocrita-e-puxa-saco-de-lula-flavio-bolsonaro-ataca-tite-e-globo-e-usa-fake-news-ao-defender-copa-america/. Acesso em: 07 jun. 2021.


LEITÃO, Matheus. Futebol e política misturam Bolsonaro, Tite, Renan, Renato. Entenda o jogo. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/matheus-leitao/futebol-e-politica-misturam-bolsonaro-tite-renan-renato-entenda-o-jogo/. Acesso em: 07 jun. 2021.


MAZUI, Guilherme. Vice-presidente Mourão defende Copa América e ataca Tite: "O Cuiabá está precisando de técnico". Disponível em: https://globoesporte.globo.com/futebol/selecao-brasileira/noticia/mourao-defende-copa-america-e-ataca-tite-o-cuiaba-esta-precisando-de-tecnico.ghtml. Acesso em: 07 jun. 2021.


RIZEK, André. Rizek: Caboclo prometeu ao governo federal trocar Tite por Renato Gaúcho na terça-feira. Disponível em: https://globoesporte.globo.com/futebol/selecao-brasileira/noticia/rizek-caboclo-promete-ao-governo-federal-a-troca-de-tite-por-renato-gaucho-na-terca-feira.ghtml. Acesso em: 07 jun. 2021.


RIZZO, Marcel. Jogadores planejam manifesto contra a Copa América, mas boicote perde força. Disponível em: https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/marcel-rizzo/2021/06/07/jogadores-planejam-manifesto-contra-a-copa-america-mas-boicote-perde-forca.htm. Acesso em: 07 jun. 2021.

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