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Agentes familiares: uma relação fadada ao fracasso?



Neste último dia 27 de março, aconteceu a 94.ª cerimônia dos Oscars e, dentre um dos nomeados para o prêmio de melhor filme, e o ganhador de melhor ator, está “King Richard”, estrelado pelo controverso protagonista da noite Will Smith. A história retrata a trajetória inicial das irmãs Williams no tênis, ilustrando as decisões dentro e fora das quadras, as quais levaram ambas ao triunfado número 1 no ranking mundial. O enredo navega além do âmbito esportivo, desenvolvendo pautas de questões sociais, racismo, entre outras capazes de engajar qualquer espectador. Entre os temas abordados, o vínculo entre Richard Williams e suas filhas configura-se como o fator mais importante do filme. Essa ligação demonstra-se como um exemplo dentre vários, que trazem à tona as diversas consequências de uma gestão de pai-empresário sobre um atleta. Ao avaliar outros casos como o evidenciado no documentário de Neymar "O Caos Perfeito”, a carreira de André Agassi, Lewis Hamilton e LaMelo/Lonzo Ball torna-se ainda mais evidente como um familiar gerando uma carreira esportiva pode ser polêmico, e como diferentemente do caso das tenistas, essa relação nem sempre resulta em sucesso.

Primeiramente, antes de começar a analisar as consequências de uma gestão familiar em uma carreira, é importante sabermos as funções desse profissional no âmbito esportivo. O agente é responsável por intermediar as conversas do atleta com outras partes interessadas em suas habilidades, sejam clubes, patrocinadores e mídia. Além disso, procurar moradia em outra cidade, entretenimento, aulas de idiomas, ou qualquer trabalho extra para o bem-estar e adaptação do atleta podem estar inclusos em sua obrigação. Em suma, os empresários devem ser pessoas com um amplo entendimento do ramo e ótimos negociadores, que através de suas interações devem garantir o melhor para seus clientes, e uma arrecadação maior do que eles conseguiriam sozinhos.

Inclusive, é importante observar que para se enquadrar na profissão de empresário de jogador, a pessoa deve ser um agente FIFA, um advogado ou um parente de primeiro grau do atleta. E, no Brasil, um grande número de empresários não se enquadram nos parâmetros da FIFA, e consequentemente, muitos deles acabam sendo um familiar.

Geralmente, o início de uma carreira de um atleta começa na infância, quando uma criança começa a desenvolver o interesse por um determinado esporte ou pela atividade física em geral. No entanto, existem muitas ocasiões em que essa largada inicial não ocorre de maneira orgânica. A paixão pelo esporte que deveria ser algo natural, pode ser imposta pelos próprios pais, que desde cedo introduzem aos seus filhos suas próprias paixões. Não há nenhum problema em querer que seu filho comece desde cedo a fazer algum esporte específico, contudo, em algumas circunstâncias, isso acontece de forma excessiva. Existem muitos casos, os quais indivíduos projetam suas próprias frustrações e ambições em seus filhos, procurando moldá-los da forma que melhor entenderem, podendo ter um impacto negativo na vida do atleta desde seu início. Nesse contexto, entre muitas outras escolhas, a família pode ter uma influência exagerada na decisão de qual carreira seus filhos irão escolher. Essa decisão designa-se como complexa, especialmente para ser realizada por terceiros e numa idade tão nova. Sobretudo, nascer com uma carreira decidida, planos traçados, principalmente no esporte e o qual são necessárias uma determinação diferenciada e uma vida repleta de sacrifícios, demonstra-se algo prejudicial ao desenvolvimento de qualquer ser humano, acarretando consequências para o restante de sua vida adulta.

No próprio filme “King Richard”, tendo em vista a intensidade e aspiração do protagonista em tornar suas filhas profissionais, o primeiro treinador de Vênus pergunta para a menina, se todo esse esforço é uma vontade dela ou apenas de seu pai. Nesse cenário, a menina respondeu que também era o sonho dela, porém existem diversos casos que esse desejo não se verifica como recíproco. Isso pode ser constatado com um exemplo de um dos maiores atletas da história do Tênis, Andre Agassi. O americano sempre teve um talento fenomenal, porém durante sua carreira, teve diversas crises e dúvidas sobre não estar vivendo sua própria vida, mas a do pai. Isso resultou numa personalidade revoltada do tenista, e uma série de problemas retratados em seu livro Best Seller “Agassi: uma biografia”. Essa situação vai muito além do mundo do tênis, e já demonstra como desde cedo, a relação paterna com o atleta pode ser conturbada, e desenvolver a motivação principal de um esportista de maneira não intrínseca, pode originar mais problemas no futuro.

Um pouco adiante dessa etapa inicial, outro momento importante na vida de um atleta é quando se demonstra capaz de observar o potencial de sua carreira. Nessa época, já é possível averiguar os eventuais retornos financeiros, sendo feitas decisões importantes para o desenrolar de seu desenvolvimento. Em uma grande porcentagem dos esportes, a chance de virar profissional e ter sucesso representa uma completa mudança de vida, uma ascensão social que é difícil de ser evidenciada em outro setor. Tendo isso em vista, nesse instante, a pressão sobre uma família inexperiente no assunto, que está gerindo a carreira de um atleta, é imensa, muitas vezes a tendência pode ser ignorar o longo prazo, escolhendo as alternativas com o retorno financeiro mais imediato possível. Além disso, conforme a família não possui o know how da indústria, estão sujeitas a situações como abdicar da educação focando apenas no esporte, realização de contratos precoces, exposição demasiada à mídia, e sobrecarga psicológica do atleta.

Um exemplo que ilustra perfeitamente os cenários descritos acima, é a carreira de Neymar Júnior, gerida pelo seu pai. Recentemente, o documentário do astro “Neymar - O caos perfeito” levou à tona como essa relação de pai-empresário pode ter afetado negativamente a vida do jogador. Inicialmente, a despeito de sua carreira ainda jovem, podemos evidenciar como seu pai, frustrado pela própria carreira de jogador, queria converter o máximo de renda possível do potencial de seu filho. Imediatamente, podemos notar no decorrer dos três episódios, como é feito uma constante associação do Neymar a uma marca, além da falta de autonomia de decisão do jogador. Outra situação é como o camisa 10 da seleção brasileira teve sua imagem na mídia desde muito novo, como o intuito de extrair verba em todas as situações, o levando a um número insalubre de ocasiões como garoto propaganda, deixando no ar, se sua prioridade realmente era jogar futebol.

Além do brasileiro, existem diversas outras situações, nas quais os pais gerindo carreiras dos filhos, resultaram em uma exposição na mídia desnecessária para qualquer adolescente, e tentativas de ganhar dinheiro imediato que acabaram prejudicando o longo prazo do desenvolvimento deles.

Outro ilustre caso pode ser evidenciado no basquetebol americano, onde Lavar Ball colocou desde cedo seus filhos na mídia como os próximos nomes do basquete mundial. Ainda na escola, os três irmãos Ball já contavam com milhões de seguidores nas redes sociais, um próprio documentário, marca própria de sportswear, carros esportivos e um repertório de polêmicas considerável nas mídias. Esse quadro gerou um hate desproporcional aos irmãos, uma pressão imensurável, e outras consequências às quais eles não tiveram muita autonomia. Atualmente, dois deles estão na NBA, apesar do bom desempenho, as atitudes e declarações de seu pai-empresário dificultaram o início de sua carreira na liga americana e continuam afetando-os regularmente.

Além disso, outro fator a ser considerado é o paradoxo entre gerir uma carreira de maneira racional, quando as pessoas envolvidas têm uma forte conexão emocional. Um dos maiores desafios de um pai-empresário é conseguir separar essas duas partes e conseguir fazer escolhas, que afetam ambos os lados. Esse discernimento designa-se como algo complicado, pois muitas vezes para chegar a um resultado, é necessário um tradeoff, entre uma relação familiar afetada por decisões profissionais, ou um resultado pior devido às restrições provenientes dos vínculos emocionais.

Como exemplo desse impasse, um dos melhores atletas da história, o multi campeão de Fórmula 1, Lewis Hamilton teve seu início de carreira gerido pelo seu pai, no entanto, a fim de preservar sua relação familiar, o britânico decidiu encerrar o vínculo profissional com ele. Hoje em dia, podemos supor que essa decisão foi correta, visto o sucesso do corredor e declarações atuais indicam como sua relação com seu pai melhorou nos últimos anos.

Em contrapartida, e falando novamente sobre Neymar, podemos ver uma situação diferente, onde o próprio jogador mencionou em seu documentário que possui uma relação mais profissional do que familiar com seu pai. Isso pode ser evidenciado por ambas as partes durante os episódios, sobretudo como dito anteriormente, na forma que seu pai o trata como um ativo, uma fonte de dinheiro, e quer acima de tudo zelar a reputação de sua marca para garantir um futuro próspero financeiramente.

Considerando os pontos mencionados, demonstra-se possível verificar como pode ser polêmico uma gestão familiar sobre a carreira de um atleta, como em todas as fases de sua vida esse vínculo emocional pode afetar o lado business, e vice-versa.

Apesar de todos os exemplos do texto serem de atletas que tiveram sucesso em suas respectivas modalidades, ainda é perceptível que essa relação os afetou de certa maneira, e é curioso imaginar como seriam suas carreiras sem essa relação profissional familiar.


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