A Lei 14.193/2021, promulgada no dia 6 de agosto de 2021, permite que os clubes de futebol sejam transformados em sociedades anônimas do futebol, deixando de ser uma instituição sem fins lucrativos. Em relação ao cenário europeu, o movimento dos clubes para se tornarem SAF está muito avançado e já são evidentes os desdobramentos dessa tendência.
A princípio, é necessário entender que clubes-empresa e sociedades anônimas do futebol não são a mesma coisa. Em 1993, a Lei Zico permitiu que os clubes de futebol brasileiro pudessem se organizar como sociedade empresária (Clubes-Empresa), isto é, ter liberdade para manter sua gestão sob responsabilidade de sociedade com fins lucrativos, dando mais autonomia aos clubes, resultando em independência perante as confederações. É importante ressaltar que as equipes podem ser SAF, sem necessariamente possuir caráter empresarial, até porque os clubes precisam realizar mudanças em seus estatutos para adotar o formato. No entanto, todo clube-empresa automaticamente recebe o título de sociedade anônima do futebol. O novo movimento cria mecanismos que incentivam as equipes a se atraírem por novas propostas, cogitando obter um investimento corporativo ou adotando o modelo de SAF.
Para explicar detalhadamente o intuito da SAF, a lei promete sanar as dívidas e investir de maneira gradativa. Criou-se um mecanismo que facilita a quitação dos passivos. A sociedade anônima nasce sem dívidas, logo, essas pertencem ao clube (associação). A prescrição diz que 20% da receita da SAF e 50% dos lucros e dividendos, caso tenha, devem ser destinados ao clube (associação) para o pagamento das dívidas em questão.
O Brasil passou a aderir essa propensão, levando os clubes a questionarem cada dia mais essa opção. Na principal divisão do campeonato nacional, estão presentes dois clubes que constituem um clube empresa e um que se intitula como SAF: Cuiabá, Red Bull Bragantino, Botafogo, respectivamente. Esse panorama sugere que essa ação ainda é embrionária no Brasil, todavia, o futebol nacional não é constituído apenas pela Série A. Ao analisar todos os times profissionais registrados, é possível concluir que, atualmente, o Brasil possui 136 clubes-empresa, número que representa 13% do total, segundo reportagem veiculada no portal de notícias online Globo Esporte.
Necessário destacar que o surgimento dos clubes-empresa na Europa é bem mais antigo. Em 1919, na Itália, um grupo de acionistas criou a Unione Sportiva Salernitana, a qual já adotou o comportamento de clube-empresa. A partir disso, foi estabelecida uma tendência em ascensão constante e acelerada no cenário europeu, que, atualmente, incide sobre a maioria dos times que disputam a primeira divisão dos grandes campeonatos da Europa. Apesar da consolidação dessa tendência, os efeitos colaterais causados não são limitados a benefícios, visto que o crescimento desenfreado desse modelo criou multinacionais no futebol e a predisposição é o surgimento de monopólios enormes.
Nessa ótica, a empresa Red Bull, por exemplo, já é dona de cinco equipes ao redor do mundo: Red Bull Leipzig, Red Bull Salzburg, Red Bull New York, Red Bull Brasil e o Red Bull Bragantino. Os dois primeiros ameaçaram causar uma crise ética para a UEFA, quando ambos se classificaram para a Champions League em 2017, forçando a federação a quebrar uma de suas regras, que impossibilitava dois clubes com o mesmo dono de participarem da sua principal competição. Desse modo, com o crescimento da tendência, o efeito colateral pode ser cada vez maior, pois empresas, como a Red Bull, terão cada vez mais clubes em sua posse, constituindo uma multinacional do futebol.
Com isso, o anseio dos clubes brasileiros em se tornarem clubes empresa, provoca dúvidas e incertezas nos fãs do principal esporte do planeta. Dentre as principais, surge o questionamento: quem são os verdadeiros donos de uma Sociedade Anônima no futebol? Nesse processo, um investidor ou um grupo de investidores, se tornam os responsáveis pelos clubes, assumindo suas dívidas e obrigações. Sendo assim, é comum que em clubes empresa, a torcida tenha menos influência e participação nas decisões, visto que o time passa a ser tratado como um negócio, e não apenas como uma entidade que envolve paixão e emoção.
Na Premier League, a prática já se faz muito comum há anos, e os grandes investidores do futebol já se tornaram figuras públicas e conhecidas no esporte. Em 2021, o Newcastle foi comprado por um fundo de investimentos saudita, e Mohammed Bin Salman, príncipe herdeiro da Arabia Saudita, assumiu o clube, intitulado como o investidor mais rico do futebol inglês. Além do árabe, outro dono ficou muito conhecido recentemente: Roman Abramovich, dono do Chelsea, atual campeão da UEFA Champions League. Importante ressaltar que o russo teve seu cargo de diretor não reconhecido pela Premier League, após a comprovação de sua relação com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, mandante da guerra entre o país e a Ucrânia.
Muito se discute a respeito do futuro no futebol brasileiro, as SAFs irão progredir da mesma maneira que ocorre na Europa? Há duas respostas possíveis para tal pergunta, por um lado a evolução no nível técnico, tático e a organização financeira dos clubes mostram um índice de desenvolvimento progressivo ao longo dos anos, por outro, a disparidade entre os clubes que adotam o modelo SAF em relação aos contrários dessa prática, tende a aumentar cada vez mais. Com isso, surge uma nova dúvida: no novo modelo, os clubes se sentirão obrigados a virarem sociedades anônimas do futebol? Ao examinar essa pergunta, pode-se dizer que isso não aconteceria necessariamente visto que ao analisar as diferentes ligas do futebol mundial, é evidente que cada uma funciona de forma distinta. A Inglaterra, por exemplo, conta com SAFs protagonistas como o Chelsea e o Manchester City, assim como a liga portuguesa, onde Benfica, Sporting e Porto são os clubes dominantes. No entanto, o campeonato espanhol mostra que nem sempre o protagonismo é idealizado por uma sociedade anônima ou clube-empresa, nesse caso, o Real Madrid e Barcelona continuam sendo destaques dos grandes títulos nacionais e internacionais, enquanto as SAFs não desenvolvem a mesma dinâmica, a exemplo do Real Valladolid, time pertencente ao Ronaldo Fenômeno.
Portanto, entende-se que apesar da criação de uma grande expectativa para o futuro a respeito da evolução técnica no esporte, o futebol brasileiro precisará esperar por alguns anos para entender as consequências de uma sociedade anônima. E assim, desenvolver um planejamento avaliativo acerca da ideia.
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